segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A educação que dá asas

  Escrito por Tatiana Campos  

Valdemira ensina a mãe, dona Francisca, a escrever as primeiras palavras que ela aprendeu com o programa Asas da Florestania (Fotos: Angela Peres/Secom).
Pacientemente, Valdemira pega a mão da mãe, endurecida pela vida difícil nos roçados e nas estradas de seringa, e, risco a risco, vai desenhando as primeiras letras até formar uma frase. Essa dedicação e esse carinho, que dona Francisca Coelho nunca encontrou em nenhuma outra professora a não ser na própria filha, fizeram com que ela, aos 64 anos, aprendesse aquele que talvez seja o maior desejo de quem não é alfabetizado: escrever o próprio nome.

Para chegar à Colocação Humaitá, na Reserva Extrativista Chico Mendes, em Assis Brasil, é preciso um carro com tração nas rodas e, de preferência, um pouco de sol para "enxugar" o ramal. É lá que mora Valdemira e a família dela. São mais ou menos 40 minutos da casa de Valdemira até o ramal principal, e de lá, mais 20 minutos até a escola. Esse caminho é percorrido todos os dias, de chuva ou de sol pela Toyota que faz o transporte escolar dos alunos.

Valdemira casou cedo, teve dois filhos, voltou pra casa dos pais após o término do casamento. Filha mais nova de uma família de 11 irmãos, leva uma vida simples, na rotina de quem mora na floresta: fica em casa com a mãe e as crianças enquanto os irmãos e cunhadas ajudam nos roçados e na extração de látex.

Aos 25 anos ela se esforça para seguir um caminho que nenhum dos dez irmãos teve a oportunidade de trilhar: sentar num banco de escola. Valdemira é uma das alunas de um programa educacional de vanguarda na Amazônia: o Asas da Florestania. O direito ao estudo é constitucional. Mas a realidade amazônica impõe desafios de gigante entre o que diz a lei e o que se consegue alcançar.

Valdemira é aluna do Asas da Florestania Fundamental, que trabalha do 6º ao 9º ano. Há também o Asinhas, para o ensino infantil, e o Asas Médio.

O pouco saber que tem, Valdemira divide em casa com os pais e os irmãos. Ao chegar da escola, no fim do dia, ela reúne a família para, pacientemente, ensinar as primeiras lições. A mãe, Francisca Coelho, nasceu e se criou em seringais. Nunca pôde colocar os pés numa escola e também não teve o prazer de dar esta oportunidade aos filhos. A única que teve o privilégio foi Valdemira. "A escola não era perto de casa, precisava de roupa, sapato. A vida sempre foi muito difícil", explica. Hoje, aos 62 anos, Dona Francisca pode dizer que sabe escrever o nome e reconhecer as letras do alfabeto. É a filha caçula que pega na mão da mãe e desenha com ela as primeiras frases de sua vida. "Pra mim é um orgulho que não tem tamanho ver a minha filha me ensinar. Eu nunca me senti bem para aprender com mais ninguém, sempre tive vergonha de não saber ler e escrever. Agora esse tempo na minha vida já passou", disse. 
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